Cecil B. Demented



Tem semana que eu fico olhando a programação de cinema no jornal e sinto uma raiva enorme desse sistema comercial que Hollywood nos impõe. Às vezes eu deliro sobre os inúmeros filmes estrangeiros que eu nunca verei se não for visitar outros países. Sinto saudades dos filmes canadenses e dos filmes brasileiros. Queria ver nas telas uma idéia criativa, ultrajante, incomum, hilária, non-sense, avante-garde, sem trejeitos comerciais, com finais inesperados, com roteiros brilhantes. Eu tenho sede de cinema bom. Eu quero espancar os fazedores de cinema ruim.

O cavaleiro underground John Waters chega para nos salvar!

Cecil B. Demented é uma sátira e uma crítica ao sistema de Hollywood. É um filme delicioso e criativo. Não é um filme sofisticado, mas quem precisa disso depois que os computadores começaram a ser usados para manipular cada frame dos filmes que assistimos? Eu quero mais é passar duas horas divertidas dentro da sala de cinema e John Waters nos proporciona essa façanha, somente com idéias, um elenco, uma câmera e açao!

Honey Whitlock (Melanie Griffith) é uma estrela em Hollywood. Ela é insuportavelmente tirana e oscila entre a sua suave persona pública e a sua grosseira e mimada persona real. Ela está em Baltimore, Maryland para promover seu último filme e no meio da cerimônia de inauguração, no cinema mais sofisticado da cidade, ela é seqüestrada por um grupo de jovens guerrilheiros do cinema, liderados pelo insano e visionário Cecil B. Demented (Stephen Dorff). Ela é levada pelo grupo para um esconderijo, numa sala de cinema em ruínas da cidade, e lá ela é preparada para estrelar na produção ‘Raving Beauty’, onde toda a fúria do grupo contra o cinema comercial estará condensada. Anarquia e fanatismo: tudo pelo cinema  punição para os que fazem filmes ruins!

O grupo de terroristas é chamado de The Sprocket Holes Gang e cada um tem o nome do seu cineasta favorito tatuado em alguma parte do corpo. Cecil tem Otto Preminger. Os outros têm Andy Warhol, Spike Lee, David Lynch, Fassbinder, Peckinpah, Almodóvar. Todos falam frases chavões de filmes e proclamam slogans revolucionários dos anos 60.  Eles são contra o big budget, as versões americanas de filmes estrangeiros, os filmes baseados em vídeo games, seqüências de blockbusters e toda uma lista de atitudes ‘cinematograficamente incorretas’, que eles vão combater com bombas, armas e um filme de protesto. As filmagens de ‘Raving Beauty’ acontecem em conjunto com os ataques do grupo, que se iniciam num cinema onde está passando a versão ‘director cuts’ de ‘Patch Adams’. Outro ataque ocorre na reunião do Maryland Film Comission, que está produzindo a seqüência de ‘Forest Gump’, desta vez passada em Baltimore e intitulada ‘Gump Again’. Durante os ataques, o grupo de terroristas, liderado por Demented e com a seqüestrada Whitlock já não sentindo tão vitima, vão conquistando inimigos irados (a liga dos filmes familiares) e simpatizantes que irão ajudá-los (o público dos filmes pornôs e de lutas marciais).

Waters continua o mesmo revolucionário - sarcástico e brilhante - que já nos chocou e divertiu com filmes como ‘Pink Flamingo’ (de 72, mas que será relançado agora em 2000), ‘Hairspray’, ‘Cry Baby’, ‘Serial Mom’ e ‘Pecker’. A ironia com toque de humor mais evidente neste seu novo filme é a presença da personalidade-atriz Patty Hearst, que é conhecida pela sua história de virar a casaca: de seqüestrada pelo Exército Simbionês da Libertação em Berkeley na década de 70, a militante e simpatizante da causa dos terroristas. Em Cecil B. Demented Hearst faz o papel da mãe amorosa de um dos integrantes do Sprocket Holes Gang e recria no filme uma cena que ela viveu na vida real, só que do outro lado da tela. Ela dá uma entrevista pedindo para o filho voltar para casa e deixar as idéias revolucionárias de lado, tal qual a sua mãe fez quando ela apareceu nas telas da TV empunhando uma metralhadora no assalto a um banco, meses depois de ter sido seqüestrada. E a atriz Honey Whitlock faz o mesmo. Descobre uma nova carreira participando do filme do diretor Demented e decide ir até o fim: pelo cinema, pelas idéias e contra Hollywood!




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