Saudades da Chuva



Por causa da profissão do meu marido, minha localização geográfica geralmente indica uma área agrícola e desenvolvida. Nós fomos nos mudando para cidades diferentes em regressão de quantidade de habitantes e progressão de qualidade de vida. Fomos para lugares cada vez mais pequenos e conseqüentemente melhores para viver.

Saímos de Campinas (1 milhão) em 87 e fomos passar uma temporada bucólica em Piracicaba (350 mil). Na época eu detestava o provincianismo da cidade e a sujeira da cana queimada, mas aos poucos fui aprendendo com o piracicabano a ter orgulho da minha caipirice. 'Arco, Tarco e Verva' virou meu livro de bolso....! Comer peixe lá na Rua do Porto (quando ela não estava alagada) era nossa diversão domingueira.

Em 92 sartamos fora de Pira para Saskatoon (150 mil) no Canadá, onde eu aprendi a apreciar a natureza - o verde e o branco, e conviver com dificuldades que antes eu nem imaginava existirem. Me surpreendi como que num lugar onde o gelo cobre a terra por tantos longos meses, pode crescer tanta planta e como o desenvolvimento agrícola chegou tão cedo. No começo do século as planícies canadenses já tinham maquinarias agrícolas pra ajudar as famílias a cuidarem de suas pequenas fazendas de trigo.

Desde 97 que estamos aqui em Davis (50 mil), outro lugar que me surpreendeu pela riqueza agrícola, mesmo estando óbvio que antes do pessoal invadir essa terra em busca de ouro, isso aqui só podia ser um deserto. Os milagres da irrigação! Tudo brotando, verdinho, brilhante, produtivo, sem a ajuda de uma única gota de água vinda do céu. Desde maio que não chove nesta Davis. E os fazendeiros estão frenéticos colhendo tomates.... Um rastro de podridão ácida pelas estradas que cobrem as distâncias entre as fazendas e as canneries. Que saudade que eu tô da chuva!

Uma das nossas professoras vai casar e então estamos fazendo aquelas festas pré-nupciais que as amigas tem obrigação de fazer e a noiva suportar! Aqui se chama Bridal Shower. No Brasa se chama Chá de Cozinha ou Chá de Panela.

O meu Chá de Panela foi diferente porque foi homem também, e todos já chegaram bêbados pra parte que envolvia fazer a noiva e o noivo passarem vergonha. Antes disso passei por todas as humilhações que a minha gravidez permitia, pra ganhar um monte de coisa inútil, que eu nunca usei. Tive que passar por aquela tortura chinesa de adivinhar ou ganhar castigo. Como eu não adivinhei nada, acabei vestida de noiva, com a cara pintada de palhaça, com sutiã e calcinha aparecendo e chapéu de cangaceiro na cabeça. Me levaram pra rua mais movimentada da cidade no sábado - o point, como a campineirada dizia com sotaque caipira disfarçado. Era a Avenida do Taquaral, onde todos os moderninhos da década de 80 se reuniam pra tomar cerveja e paquerar. Eu e o Ursão em cima de uma pick-up, alguém badalando um sino e nos obrigando a beijar de língua na frente da multidão.... Ai, que trauma!! :-)

Mas o Bridal Shower das americanas foi como um passeio pelo céu, comparado com o que as brasileiras fizeram comigo no passado não tão remoto. Todas chegaram no horário (menos a mexicana, que chegou quando a salada já estava murcha) com seus pratinhos de comida, conversaram banalidades, tomaram sodas orgânicas com borbulhas naturais, comeram comidinhas saudáveis sentadinhas nas cadeiras e sofás, escutaram música de elevador, convidaram a noiva a abrir os presentes, dobraram os papeis rasgados com cuidado, aplaudiram a fatiação do bolo e sentaram mais um pouco para cinco dedinhos de prosa chatinha e dai bye bye, see you soon. Eu tava lá, né, tentando animar o papo com o meu charme brasileiro!

Hoje a mexicana que chegou atrasada na festa das americanas fez uma festa na casa dela em Winters. Só foi uma americana, gracasadeus (e foi embora cedo, porque a festa começou com 2hs de atraso e ela tinha outro compromisso). Claro que foi tudo desorganizado e ninguém precisou levar comida. Tinha muito suco verde fluorescente, soda artificial, gelo, salsa caliente e nachos, salpicão de frango, melão e tostadas. Todas as mexicanas falantes, gritonas, escandalosas, alegres, coloridas, simpáticas, de broche de flores e camisinha na lapela dos vestidos. Eu também tava lá, com o broche lubrificado no vestido e muitas vezes boiando nos assuntos que geravam tantas risadas altas, porque quando elas falam muito rápido eu não entendo. Mas eu ria também!! hahaha! Teve brincadeiras, torturas (não tão sofisticadas como as das brasileiras), piadas, tropeços e todo mundo repetindo as fatias generosas de bolo com sorvete. Muitas foram embora e voltaram. É festa que não tem hora pra acabar. Eu fui embora triste dizendo 'adios, hasta la vista!', porque tinha que trabalhar.

Na volta, pela road 32 que é cheia de curvas e ladeada por fazendas e oliveiras, fui olhando tudo a minha volta - as árvores de nozes e pistachios, o milharal seco pra colheita, o curral dos cavalos, as ovelhas do outro lado, um pomar de pêras, muitas flores, e zigzagueando nas curvas pra esquerda e pra direita fui pensando nos valores que eu adquiri na minha jornada campestre de tantos anos e na simplicidade que estou tendo o privilégio de apreciar.

Mas continuo com uma saudade doida da chuva.....

Quando é que vai chover de novo nessa terra???




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