Stephen King



Eu nunca tinha visto fila de avião no céu pra fazer aterrissagem. Chegamos no LAX às 8pm e eu e a Júlia contamos sete aviões parados no céu, esperando sua vez de pousar. Los Angeles é uma cidade enorme e agitada. Um entra e sai de gente. Naquele dia, eu estava saindo. Já dentro do avião cor-de-burro-quando-foge da Southwest Airlines, fomos avisados que poderíamos nem decolar de Los Angeles com destino à Sacramento naquela noite. A situação de neblina em Sac City estava mais pra péssima do que pra ruim. Poderíamos chegar lá e ter que descer em San José. O piloto esperava instruções de Sacramento, onde outros aviões tentavam fazer um pouso monitorado - safe landing.

Esmagada entre uma moça tremendamente irritada reclamando no celular com o namorado e um cara com uma pasta 007 me cutucando a perna, eu lia a última estória do livro Different Seasons do Stephen King. Ele chama essas estórias de 'novelletes' e essa era a winter's tale, com o nome de The Breathing Method. Não tirei o casaco e depois de mais de 30 minutos esperando dentro da aeronave, comecei a sentir calor. Mais avisos do piloto : quem quisesse desistir da viagem e ter as malas retiradas do avião ainda dava tempo. Eu estou devorando a estória do King, que eu estava enrolando pra ler o final, por puro medo. A personagem grávida vai morrer, mas eu não posso imaginar como. Numa noite de Natal em New York, muita neve, o chão liso como eu bem sei como é que fica (quando neva, o melhor é esperar pra sair de carro), ela está fazendo o 'breathing method' do titulo, enquanto o táxi a leva para o hospital. Ela era uma mãe solteira na década de 30 e esse método de controle de respiração (do cachorrinho, como eu chamava durante a minha gravidez) ainda era uma coisa tão ousada quanto ter um filho sem ser casada. Bom, o carro derrapa, bate numa ambulância e ela morre - decapitada. O corpo ainda em trabalho de parto, a cabeça separada ainda mexendo a boca e fazendo a respiração. Ela termina o que tinha começado, com a ajuda do médico, que é quem narra a estória, e tem seu bebê na calçada da rua, em frente ao hospital, a cabeça rolando pra rua, o corpo ainda fazendo a respiração e em trabalho de parto.

Levanto os olhos já atordoada e vejo os passageiros sentados na fileira da frente, na saída de emergência, olhando em minha direção, conversando e rindo. Meus olhos estão embaçados, meu estômago enjoado, acho que vou desmaiar e/ou vomitar... [a cabeça decapitada...!]. Me sinto desesperada, se eu desmaiar aqui como vai ser? E essa merda de avião que não decola. Merda de fog! Merda de temporada, onde todo mundo viaja pra lá e pra cá neste país. Olhei pro meu vizinho da direita e balbuciei 'it's hot in here...'. Ele me recomendou ligar o arzinho ao lado da luz. Eu fiquei com a cabeça [cabeça!] erguida, olhando pra cima, respirando lenta e profundamente [o breathing method], procurando me recompor e não perder os sentidos ali, no meio de uma centena de estranhos.

Pelo que eu percebi lendo o afterword de Different Seasons, o autor Stephen King foi muito criticado pelo seu estilo informal de escrever e foi rotulado (que ele parece não se incomodar muito com isso) como um escritor de horror. Realmente o estilo dele é simples e não tem muita complicação retórica e estilística. Ele conta uma estória e pronto. Lendo sobre outros livros dele fiquei surpresa: tudo o que ele escreve vira filme! Deste livro, que terminei de ler, saiu Shawshank Redemption (que tem um final um pouco diferente do livro, além do que o personagem narrador era branco (um ruivo de descendência irlandesa) e não um negro), Stand by Me e um filme que não me lembro o título onde um menino descobre que seu vizinho é um ex-nazi (The Apt Pupil). Só neste livro (de 1982) estão relacionados Carrie, The Shining, The Dead Zone e The Stand, que viraram filmes (The Stand acho que foi um filme para tv, se não me engano, mas muito bom, que passou em vários capítulos porque era muito longo). Mas também tem Christine (o carro assassino), Children of the Corn (seria Os Meninos em português?), Cat's Eye, The Running Man (Schwarzenegger em ficção horror!), Pet Sematary, Misery (deu um Oscar pra Kathy Bates, não?), Sleepwalkers, Dolores Claiborne (a soberba Kathy Bates outra vez) e The Green Mile.

Uau, que 'body of work', hein? Eu, que já tinha assistido alguns desses filmes (Carrie, a estranha, O Iluminado, Shawshank, Misery) não fazia a menor idéia de que eram todas estórias do mestre do horror, Mr. Stephen King. Eu tenho uma tendência para prestar mais atenção nos atores do que no resto dos créditos (quando muito, extravaso identificando o diretor). Agora vou prestar mais atenção no autor da estória. E se ele for Stephen King, já sei que o filme poderá ser bom (e um sucesso). Eu sei que King foi atropelado por um sujeito dirigindo bêbado e que ficou à beira da morte. Também me disseram que ele está ficando cego. Outro dia na bookstore eu vi um livrão dele, sobre a arte de escrever. Em 1982 ele comentava com bom humor as críticas de que ele era um escritor medíocre. Quem ri por último, ri melhor.

O piloto anunciou que os outros aviões tinham conseguido fazer um pouso seguro e monitorado em Sacramento. Os passageiros do vôo 1483 aplaudiram e respiraram aliviados. Decolamos e eu voltei à leitura dos últimos parágrafos do Breathing Method. Não desmaiei e conclui a estória da mãe decapitada que deu a luz ao seu filho depois de morta. Quando o avião embicou em direção à densa neblina num pouso que parecia às cegas no SMF, eu não senti meu medo habitual de subidas e descidas. Eu passei no teste do Stephen King.






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