Uma Explicação Musical Sobre A Vida No Lugar Do Infinito Céu Azul (1995)

Há 3 anos, quando o avião da Canadian Airlines aterrisou em Saskatoon, uma cansada e confusa brasileira desceu as escadas rolantes do minúsculo aeroporto John Diefenbaker praguejando em desilusão. "Como vou sobreviver por 4 anos nessa "Paris,Texas"????" eu resmungava enquanto arrastava meus 36 quilos de bagagem, que naquele momento pareciam pesar 36 toneladas. Depois de umas semanas esse sentimento de desapontamento foi sendo substituído pela descoberta de um mundo diferente e interessante: a beleza dos infinitos campos de trigo e de canola, o imenso céu que parece nos abraçar, o estarrecimento de ver a noite movendo-se com os gases da Aurora Boreal, o excitamento de respirar o ar gelado dos dias de inverno nas pradarias canadenses. Mas eu só entendi realmente o que era estar vivendo em Saskatckewan quando, assistindo a Much Music (a MTV daqui) um clip de um grupo chamou minha atenção. Eram os Waltons , um grupo originário de Regina, a capital da província, com uma música do seu primeiro álbum, Lik My Trakter, "In The Meantime". Lá estavam os três músicos, Jason Plumb, Keith Nakonechny e Dave Cooney com suas caras de agro-boys, típicos rapazes fazendeiros que ajudam na colheita dos grãos, pilotando com certeza um velho trator. Macacões de jeans, camisas de flanela xadrez e bonés de baseball encardidos de repente estavam na Much Music, tocando baladas que retratam uma vida pacata e simples, levando para a grande cosmópolis um pouquinho da vida no campo.

Lik My Trakter foi lançado independentemente em março de 1991, e desde então vendeu 60.000 cópias e levou os Waltons para uma extensa turnê pelo Canadá e EUA, alem de abocanhar um Juno Award (prêmio máximo para a música canadense). "Naked Rain" foi a próxima música que vi em clip na MM, numa produção sensual e engraçada, retratando a alegria infantil de tomar um banho de chuva. Mas todas as faixas do álbum estavam tocando em rádios por todo o Canadá e fica difícil dizer qual delas se tornou mais popular, ou foi a melhor. Em "The WaterWell And The Farmer's Hand " Jason Plumb faz sua homenagem ao símbolo da província - o fazendeiro, já que esta é economicamente dependente do plantio de trigo e outros grãos. "That grows, all the wheat and meat, and all we eat, some to share, none to feed the hands that broke our land, a farewell to barns" , e assim os Waltons vão explicando porque gostam tanto dos seus tratores.

Durante os anos entre Lik My Trakter e o novo album Cock's Crow, que foi lancado em março de 1995, os Waltons conquistaram fãs da maneira mais legítima: através da integração entre a banda e o público nos shows. Sem dúvida a pressão para o lançamento de um novo trabalho foi ficando cada dia maior, já que eles passaram um bom tempo tocando o mesmo material e todos já sentiam que era tempo de colocar todo o amadurecimento adquirido pela estrada em letra e música. Já contratados pela Warner Music, os Waltons gravaram uma música para a trilha sonora do filme "Naked in New York" e partiram para a gravação de Cock's Crow. O baterista Dave Cooney deixou o grupo e abriu espaço para a entrada de Sean Bryson. Também o multi-instrumentalista Todd Lumley juntou-se ao grupo, que produzidos por Micheal Phillip Wojewoda (produtor de outras bandas canadenses como Rheos, Spirit Of The West e Barenaked Ladies) entraram novamente num estúdio para gravar um novo álbum.

Valeu a pena esperar tanto, pois quando a primeira faixa "End Of The World" começou a tocar nas rádios, já se viu a qualidade do trabalho com que os Waltons estavam nos presenteando. Eu precisei ouvir o CD umas 3 vezes até compreender que os agro-boys tinham evoluído com seu maquinário agrícola. Claro que tudo estava mais sofisticado e mais profissional, mas ainda continuava lá a voz potente de Jason Plumb nas baladas simples com letras românticas. Uma pitada de crítica social aqui, outra de divagação filosófica acolá, mas a fórmula inicial dos garotos das pradarias continuava intacta. Graçasadeus! Do folclore Bluegrass de "You Ewe U" até a céltica "Surprise" percebe-se uma banda que amadureceu sem disvincular-se de suas raízes.

Cock's Crow trouxe uma enorme alegria para os fãs dos Waltons, entre os quais eu me incluo, e fez a imprensa canadense e americana se derreter em elogios. Mas mesmo com toda essa excitação musical, a vida aqui nas planícies continuava basicamente a mesma. Não há uma maneira de não enfrentar os seis meses de inverno polar, os estudos e a enorme distancia do meu país. Mas não posso negar que estou feliz em estar em Saskatchewan só porque posso ver um show dos Waltons, quando eles estão relaxados e sentindo-se em casa. É como um encontro de família onde todos cantam, dançam e conversam com a banda. Sem falar que você pode tomar uma Molson Canadian no Bar tendo Jason Plumb refrescando sua garganta ao seu lado. Não querendo ser muito exagerada..... mas um pessoal lá em Liverpool, Inglaterra também deve ter tido o mesmo tipo de sentimento com relação a uma pequena banda de jovens estudantes, lá no comecinho da década de 60 em outro continente......



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