Woman on Top


Os norte-americanos adoram Bossa Nova. Podemos considerar esse detalhe musical nos EUA um fenômeno quase bizarro, pois o jazz brasileiro mesmo quarentão ainda continua encantando o público na grigolândia. Então nada mais inteligente para uma cineasta desconhecida que usar a música brasileira, e o Brasil e suas nuances folclóricas, na estrutura do roteiro de uma comédia romântica. Já tivemos Bossa Nova, o filme de Bruno Barreto, que realmente encantou neste verão, nos fazendo lembrar aqueles filminhos românticos da década de 50 - Doris Day, quem diria, acabou em Copacabana. E Woman on Top vem agarrada no trenzinho da latinidade, que corre frenético pelo país, aproveitando que a cultura latina está na moda por aqui. E lá vamos nós reviver os áureos tempos do Brasil estereotipado da Carmen Miranda.

Vamos então à receita, já que o filme fala de comida: Pegue uma espanhola com percentual alto de carisma com o público americano, solte seus cabelos, coloque nela um vestido justo, uma sandália de dedos sexy e coloque ela na Bahia, falando inglês com sotaque e cozinhando um vatapá no restaurante do marido charmosão e boêmio. Pegue um ator brasileiro, com ganas de fazer carreira no exterior e um bom inglês, coloque uma roupa de 'malandro baiano' nele (será que isso existe!), faça ele tocar um violão, sempre acompanhado de um trio de mosqueteiros musicais pra fazer o sonzinho de orquestra no fundo, deixe ele cantar a Bossa Nova numa vozinha bem suave e dê a ele um caráter meio machão/meio romântico pra poder assim desenvolver a dualidade e os conflitos do personagem. Cozinhe esses dois ingredientes com muita pimenta malagueta e óleo de dendê em fogo alto. Quando estiver quase cozido, acrescente um travesti baiano que mora em San Francisco e que fará todas as tiradas inteligentes e frases mais cômicas do filme, coloque ele na banheira de espumas com a espanhola baiana e deixe marinando. Para dar mais sabor ao caldo, você precisará encontrar um americano bolha, que ficará encantado com o cheiro do café com canela da brasileira espanhola e que a transformará na estrela de um show de culinária na tv. Sem esse ingrediente o suflê pode murchar, então não tente substituir o americano pelo Jonas Bloch falando francês que não vai dar certo… Asse tudo em forno brando, acrescente muitas pitadas de 'brasilidade' importada da Venezuela e voilá! Sirva quente, rodeado de bananas, abacaxis, palmeiras e sabiás. Não esqueça de cozinhar dobrado, pra oferecer um bom prato pra Iemanjá.

Woman on Top é um filme gracioso e gostoso de ver. A música é leve e delicada e a fotografia é impecável. Mas não sei por que a vontade de gargalhar ficou entalada na minha garganta durante todo o filme. Talvez porque eu sou brasileira e sei que mesmo na Bahia nada é bem assim, como é mostrado no filme. O trabalho dos atores também está correto, mas o problema da interpretação em inglês para os atores estrangeiros atrapalhou um pouco. Os coadjuvantes do restaurante do Toninho (Murilo Benicio) em Salvador falam sem espontaneidade, como se tivessem apenas decorado as frases para um teatro amador de escola. A heroína Isabella (Penelope Cruz) é linda e até passa por brasileira, desde que nãoabra a boca. O sotaque espanhol é o ponto fraco da personagem, que é uma baiana que nunca saiu de Salvador (da cidade alta, pois é tudo o que vemos) e fala inglês com perfeição, apesar do sotaquezão madrilense. E o travesti Mônica nasceu e cresceu na Bahia e fala inglês com aquele toque de negro do Bronx. Nada faz muito sentido na estória, que parece totalmente sem nexo e caótica. Mas quem quer ver coerência e realismo num filme sobre comida, sexo e amor?

Isabella tem um problema de enjôos, que a faz vomitar a qualquer balançadinha. Então ela tem que ter o controle de tudo - dirigir a lambreta do marido e fazer sexo por cima (o 'on the top' do título). Ela, que até lembra sua outra conterrânea baiana - a Dona Flor - não deixa por menos quando pega o marido na cama com outra e na mesma noite arruma a malona de papelão e vai chorando pela praia de Itapuã, à pé mesmo, pegar um avião para os EUA, onde ela vai procurar um emprego de chefe de cozinha. Iemanjá, que é a sua protetora, lhe deu o dom de cozinhar divinamente para compensar sua deficiência estomacal, que a fez viver uma vida de isolamento. Em San Francisco a mágica de sua comida exótica brasileira vai conquistar Cliff (Mark Feuerstein), que é um produtor de televisão buscando por algo novo e vai transformar Isabella numa sensação.

Woman on Top é uma comédia romântica e apesar das tiradas cômicas fornecidas por Mônica (Harold Perrineau Jr), vamos ter que agüentar o calvário de sofrimento de Toninho e Isabella, até que os trabalhos feitos para Iemanjá desenrosquem-se das profundezas da Baia de San Francisco e faça todos felizes. Como nos filmes de Carmem Miranda, eu me diverti. Mas senti falta de ouvir o português na boca dos atores brasileiros (muitas caras conhecidas) e de ver o Brasil sem aquele toque de exotismo que me soa tão falso.



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